Seja Bem Vindo(a)!

Seguimos dirigindo mesmo de olhos quase fechados

 

 *por Sidnei Canhedo

 

Sono e fadiga estão entre as causas que mais provocam acidentes trágicos no mundo. Há diferenças culturais, de distintas legislações, de proatividade pública e de responsabilidade cívica, quando analisamos os dados de cada país. Contudo, é global o drama de mortes em ruas, avenidas e rodovias causadas pela incapacidade física de motoristas que precisariam de descanso imediato, mas que optam por permanecerem dirigindo. Alguns conduzem sem saber que estão inaptos, outros assumem deliberadamente os riscos. Porque? 

 

Antes de propor algumas respostas e reflexões é fundamental mostrar recortes e estudos, em diferentes cantos do planeta: de acordo com um levantamento realizado pela AAA Foundation for Traffic Safety, a mais respeitada entidade do setor rodoviário nos Estados Unidos, 17,6% de todos os acidentes fatais no país, entre 2017 e 2021, envolveram motoristas afetados por sintomas de cansaço, causando a morte de quase 30 mil pessoas no período.
Estimam que entre internações hospitalares, danos materiais e outras despesas, o custo social da direção sonolenta nos EUA possa estar entre US$ 12,5 bilhões e US$ 109 bilhões por ano.

 

No vizinho Canadá, na província de Ontário, outro estudo importante revela que 58,6% dos condutores admitiram que dirigem, ocasionalmente, cansados ou sonolentos. Em uma constatação ainda mais preocupante, 14,5% disseram ter adormecido ou cochilado ao volante em situação de grave risco. 

 

Do outro lado do planeta, no Estado australiano de Victoria, cuja capital é Melbourne, uma recente pesquisa revelou que cerca de 65% dos entrevistados admitiram dirigir cansados, dos quais 21% realçaram ter dificuldade em conseguir manter os olhos abertos. 

 

No velho continente, dados da União Europeia, confirmam que o sono e a fadiga são os vilões de algo entre 15% e 20% dos acidentes no bloco de 27 países. Já no Brasil, os números mais contundentes que temos são os da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (ABRAMET), que apontam que esses dois fatores somados representam quase 60% das razões de acidentes graves por aqui. 

 

Nós e o poder público

 

A gravidade desse imenso desafio é complexa e as razões que catapultam tantos acidentes causados por sono e fadiga possuem diversas camadas. Uma das principais refere-se a seriedade de como cada governo encara o tema. A quantidade de campanhas educativas que demonstrem os perigos relacionados ao cansaço ao volante tem um peso importante, assim como investimentos em infraestrutura que envolvem, por exemplo, a criação de bolsões de descanso como as presentes nas principais rodovias australianas. 

 

Além disso, a legislação, fiscalização e punição daqueles que abraçam o risco também varia imensamente de acordo com o país. Nos Estados Unidos, por exemplo, os Estados de Nova Jersey e Arkansas possuem legislações rigorosas em suas regras regionais de trânsito. As infrações de quem for pego e identificado com fadiga causadas, por exemplo, por medicamentos, gera multas e penas equivalentes a quem é pego sob efeito de drogas ilegais ou de álcool. 

 

A tecnologia gerida por imposição governamental também tem um papel na luta pela redução desses tipos de acidentes. Já está em vigor na União Europeia uma lei que obriga todos os veículos novos a saírem de fábrica com equipamentos que alertam o condutor sobre o estado de cansaço. Os sistemas aplicados ainda possuem lacunas, mas a obrigatoriedade impulsionará o desenvolvimento de tecnologias eficazes em um futuro próximo. 

 

As campanhas feitas por organismos públicos também precisariam de mudanças legislativas para obrigarem, por exemplo, as indústrias farmacêuticas a estamparem nas embalagens, de forma clara, alertas de que aquele medicamento específico pode causar sonolência. São raros os casos de médicos que fazem o aviso correto a seus pacientes ao prescreverem uma receita. 

 

Políticas públicas eficazes são fundamentais, pois são elas que contribuem com a mudança cultural e de atitude. E é aí que entra a nossa responsabilidade, não só na escolha de legisladores comprometidos com saúde pública, por meio de votos e pressão social, mas como pela chamada ‘Teoria do Comportamento Planejado’. Trata-se de um modelo que prevê como as pessoas agem, baseada em três fatores: atitude, normas subjetivas e controle comportamental percebido.

 

As atitudes referem-se à avaliação geral ou pensamentos dos indivíduos sobre a realização de algo. Já as normas subjetivas tratam das percepções de pressão social ou influência em relação a um comportamento. E o controle comportamental percebido relaciona-se às crenças sobre a capacidade da pessoa ter uma atitude.

 

Em uma linguagem mais simplificada, trata-se de uma análise sobre o que as pessoas pensam sobre o comportamento, o que os outros pensam sobre ele e o quão fácil ou difícil seria realizar algo ou mudar sua atitude. A estrutura é capaz de investigar fatores psicossociais que influenciam as decisões dos cidadãos de continuar dirigindo enquanto estão fatigados.

 

No caso específico do Brasil, temos uma cultura social de irresponsabilidade com relação a seguir normas de trânsito. Nossas estradas estão entre as mais perigosas do planeta. A falta de cuidado público (educação e impunidade), aliada a uma atitude de displicência, estimulam ações irresponsáveis e tomadas de decisões arriscadas. 

 

Somos perigosamente encorajados, por nós mesmos, de que os sintomas de sonolência (como o bocejo) são apenas triviais e optamos então por ignorar os sinais, movidos por uma vontade incoerente de vencê-los a fim de chegarmos de forma rápida ao nosso destino. Frases como ‘dá pra seguir’, ‘eu estou bem’ e ‘está quase chegando’, fazem parte da atitude de muitos motoristas brasileiros. Há diversas camadas e recortes que envolvem, por exemplo, idade e gênero, com o machismo e a juventude sendo características impulsionadoras de riscos. 

 

É preciso tratar a fadiga e a sonolência como uma questão de saúde pública. Que governos e autoridades invistam em ações concretas capazes de mitigar e até eliminar acidentes que tenham essas causas. Não é utopia! Faz-se necessária uma transformação cultural na arte de guiarmos um veículo. Sem cidadania e respeito aos riscos, cansaço e volante continuarão sendo uma combinação fatal.       

 

 

 *Sidnei Canhedo é Mestre em Saúde Ambiental e Gestor da Optalert, biotech australiana, líder mundial em tecnologia de controle de fadigas. scanhedo@optalert.com 

 Mais informações:

Amanajé Comunicação

Carlos Marcondes - marcondes@amanaje.com.br

(11)  98160-7110 - amanaje.com.br

s